quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O SENHOR DO ADEUS

Sim, eu sei que este texto nada tem a ver com a minha, com a nossa adolescência. Mas os valores que hoje professo, os afectos que hoje dispenso, foram-me incutidos pela minha familia e moldados pela minha vivência com os meus amigos. Se hoje sou o que sou, sou-o pelo contacto com os outros. Pelo contacto convosco. Para o bem ou para o mal, eu também sou o que os outros fizeram de mim.



O SENHOR DO ADEUS

Foi com uma grande tristeza que soube à hora de almoço pelas notícias na tv que morreu o Senhor do Adeus.


João Manuel Serra não dirá nada para muitos e no entanto a sua morte recebeu honras de noticiário na tv, jornais e internet, ao nível de uma grande figura da nossa política ou da cultura.


Eu passava por ele umas duas vezes por semana, no Restelo, onde passava uma boa parte do dia, sempre na mesma esquina (o resto do dia passava-a no Saldanha) e durante anos habituei-me ao seu acenar e ao seu enorme sorriso.


Por vezes ao buzinar para o cumprimentar acenava-me de tal forma esfusiante que saltava no passeio. Até parecia que me reconhecia!


Cumprimentei-o sempre, quer fosse sozinho ou acompanhado, em silêncio ou a conversar.


Como a grande maioria dos passantes, eu julgava que o senhor sofria de um qualquer desequilíbrio mental pois passar o dia a acenar aos condutores não é de gente sã!


Hoje, ao ler a noticia da sua morte, soube que afinal João Serra, o Senhor do Adeus, estava perfeitamente lúcido e consciente do que fazia. Dizia ele que se apercebera que o seu comportamento, o acenar para as pessoas, deixavam estas felizes na sua ida para o trabalho.


Foi ainda com alguma resistência que aceitei esta constatação. Afinal quem no seu estado normal passa o dia a acenar e a cumprimentar com um largo sorriso, como de um amigo de largos anos, as pessoas que circulavam nos seus automóveis?!


Meu Deus! Onde foi que eu me transformei? Onde foi que eu perdi a fé na bondade das pessoas? Como podia eu alguma vez pensar que o Senhor do Adeus o fazia por genuína bondade, por vontade de tornar as pessoas um pouco mais felizes?


E no entanto, faz agora sentido que alguém que vivia sozinho e provavelmente com a maioria dos amigos longe ou já falecidos preferisse estar junto dos seus amigos automobilistas, a fazê-los felizes do que a permanecer em casa agarrado a um televisor. Faz todo o sentido optar por ajudar os outros quando se tem algum tempo do que a desperdiçar o tempo a embrutecer defronte do televisor.


João, desculpa eu não ter acreditado.


Daqui te aceno e obrigado por teres tornado os meus dias mais felizes.


Que o teu exemplo floresça em nós e nos torne melhores e mais solidários.




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